Paulo
Massey
Sociólogo,
professor do IFCE
Noutra ocasião, levantei a hipótese de que aquilo
que podemos chamar de “inconsciente político” do PT, para usar uma locução
consagrada por Fredric Jameson, se expressa por meio de três linhas de ação que
têm caracterizado o modo petista de governar: o espetáculo, a conciliação e o ressentimento.
O espetáculo se traduz pela propaganda oficial, pela paranóia das demonstrações quantitativas do crescimento e dos investimentos realizados pelo governo, sobretudo, como forma de responder às pressões e expectativas da mídia, instrumentada pela oposição e sempre à espreita, conspirando um levante golpista; a conciliação é, por sua vez, no mínimo, forçada, já que tem em vista reatar interesses francamente antagônicos, deslegitimar as reivindicações dos setores em greve e esconder a brutal disparidade salarial e a diferença quanto à valorização existente entre as carreiras do serviço público; o ressentimento, por fim, é a tentativa recorrente de atribuir ao Outro uma culpa que é sua, como forma de se defender do real que sobrevém quando são desfeitas as ilusões simbólicas; ou seja, o governo Dilma e seus representantes agem de modo a evitar o peso insuportável de se perceber uma unidade contraditória (e isso não foi exatamente um problema para Lula, que era menos um neurótico do que um perverso, viabilizando o exercício de uma “hegemonia às avessas”) enlaçada num processo conflituoso, no interior do qual as categorias profissionais recuperam progressivamente sua autonomia política, rompendo as amarras do pacto de silêncio selado entre o Partido, a Central Sindical e o Governo que ainda se crêem “dos trabalhadores” – uma fantasia que se contrapõe à força esvaziadora do real, à perda de sentido, à impossibilidade de manter a coerência entre desejo, norma e ação, portanto, entre o que se quer, o que se diz e o que se faz.
Essas linhas de ação, contudo, traduzem de modo particular não apenas o inconsciente, aquela verdade que se esconde e que se tenta obsessivamente recalcar: o fato de que, para estupor dos puristas, o PT, desde as origens, pretendia chegar ao que é hoje, embora isso fosse intimamente velado ou sublimado num passado idealizado e só tenha se definido como desejo recôndito quando da conformação exata do Outro que lhe impõe expectativas e com o qual procura, de todas as formas, evitar a identificação – o PSDB. Essas linhas de ação, pois, revelam não apenas o inconsciente, mas também a consciência, as convicções de um “eu” que se quer sabedor de suas vontades, de seu poder e de seu lugar no mundo: um eu narcisista. Tome-se qualquer discurso, de qualquer representante do governo (seja ministro, secretário, parlamentar, reitor, assessor...) e se verá a defesa incondicional do “Império” que se está construindo. A conotação monárquica não é sem razão de ser. A democracia se tornou uma figura retórica, quando não um estorvo. O direito ao contraditório ou a simples contraposição é vista como uma inconveniência – pior, uma afronta, um desrespeito, tal como tive a oportunidade de assistir bestificado na última reunião com o Reitor do IFCE, como membro do Comando de Greve.
O narcisismo petista é uma linha geral de orientação às ações dos representantes do governo e mesmo de seus aliados. Só quando os grevistas de hoje ensaiam grandes manifestações e relembram as cenas do passado que se quer esquecer, as reuniões são, enfim, concebidas – porém, conduzidas com o pressuposto da impertinência, o que só pode ser explicado pela presunção da verdade, pelo fato de que, sem limites à vaidade, o governo crer que tudo é como deve ser, agindo conforme uma vontade geral que, não raro, ganha a conotação de ordem natural das coisas. Daí a acusação freqüente de que os grevistas são contrários ao “projeto nacional do governo” e, em particular, de que os professores se opõem à “expansão da rede federal de ensino profissional e tecnológico”.
O que nos preocupa, no entanto, não é apenas o fato de que somos acusados, a pretexto, de aliança com os setores mais conservadores da mídia e da política, como se não tivéssemos autonomia para apresentar nossas reivindicações e exigir seu cumprimento ou, ainda, o fato de que isso demonstre sutilmente que o governo opera com uma máxima perigosamente excecionária: “quem não está comigo, está contra mim”. O que nos preocupa, mesmo como hipótese, é justamente a conseqüência inarredável que acomete o narcisismo: não podendo agir contra si mesmo - reconhecendo seus limites, contradições e falhas -, resta ao eu narcísico realizar essa pulsão destrutiva, agressiva e violenta sobre os outros, sobre aqueles que podem apontar-lhe a contradição essencial de que padece porque são a própria contradição, e, deste modo, afrontam-no como se fossem um espelho a refletir, para além de toda a beleza aparente, a imperfeição denegada.
Veja o vídeo-resposta: O inconsciente político do PT
O espetáculo se traduz pela propaganda oficial, pela paranóia das demonstrações quantitativas do crescimento e dos investimentos realizados pelo governo, sobretudo, como forma de responder às pressões e expectativas da mídia, instrumentada pela oposição e sempre à espreita, conspirando um levante golpista; a conciliação é, por sua vez, no mínimo, forçada, já que tem em vista reatar interesses francamente antagônicos, deslegitimar as reivindicações dos setores em greve e esconder a brutal disparidade salarial e a diferença quanto à valorização existente entre as carreiras do serviço público; o ressentimento, por fim, é a tentativa recorrente de atribuir ao Outro uma culpa que é sua, como forma de se defender do real que sobrevém quando são desfeitas as ilusões simbólicas; ou seja, o governo Dilma e seus representantes agem de modo a evitar o peso insuportável de se perceber uma unidade contraditória (e isso não foi exatamente um problema para Lula, que era menos um neurótico do que um perverso, viabilizando o exercício de uma “hegemonia às avessas”) enlaçada num processo conflituoso, no interior do qual as categorias profissionais recuperam progressivamente sua autonomia política, rompendo as amarras do pacto de silêncio selado entre o Partido, a Central Sindical e o Governo que ainda se crêem “dos trabalhadores” – uma fantasia que se contrapõe à força esvaziadora do real, à perda de sentido, à impossibilidade de manter a coerência entre desejo, norma e ação, portanto, entre o que se quer, o que se diz e o que se faz.
Essas linhas de ação, contudo, traduzem de modo particular não apenas o inconsciente, aquela verdade que se esconde e que se tenta obsessivamente recalcar: o fato de que, para estupor dos puristas, o PT, desde as origens, pretendia chegar ao que é hoje, embora isso fosse intimamente velado ou sublimado num passado idealizado e só tenha se definido como desejo recôndito quando da conformação exata do Outro que lhe impõe expectativas e com o qual procura, de todas as formas, evitar a identificação – o PSDB. Essas linhas de ação, pois, revelam não apenas o inconsciente, mas também a consciência, as convicções de um “eu” que se quer sabedor de suas vontades, de seu poder e de seu lugar no mundo: um eu narcisista. Tome-se qualquer discurso, de qualquer representante do governo (seja ministro, secretário, parlamentar, reitor, assessor...) e se verá a defesa incondicional do “Império” que se está construindo. A conotação monárquica não é sem razão de ser. A democracia se tornou uma figura retórica, quando não um estorvo. O direito ao contraditório ou a simples contraposição é vista como uma inconveniência – pior, uma afronta, um desrespeito, tal como tive a oportunidade de assistir bestificado na última reunião com o Reitor do IFCE, como membro do Comando de Greve.
O narcisismo petista é uma linha geral de orientação às ações dos representantes do governo e mesmo de seus aliados. Só quando os grevistas de hoje ensaiam grandes manifestações e relembram as cenas do passado que se quer esquecer, as reuniões são, enfim, concebidas – porém, conduzidas com o pressuposto da impertinência, o que só pode ser explicado pela presunção da verdade, pelo fato de que, sem limites à vaidade, o governo crer que tudo é como deve ser, agindo conforme uma vontade geral que, não raro, ganha a conotação de ordem natural das coisas. Daí a acusação freqüente de que os grevistas são contrários ao “projeto nacional do governo” e, em particular, de que os professores se opõem à “expansão da rede federal de ensino profissional e tecnológico”.
O que nos preocupa, no entanto, não é apenas o fato de que somos acusados, a pretexto, de aliança com os setores mais conservadores da mídia e da política, como se não tivéssemos autonomia para apresentar nossas reivindicações e exigir seu cumprimento ou, ainda, o fato de que isso demonstre sutilmente que o governo opera com uma máxima perigosamente excecionária: “quem não está comigo, está contra mim”. O que nos preocupa, mesmo como hipótese, é justamente a conseqüência inarredável que acomete o narcisismo: não podendo agir contra si mesmo - reconhecendo seus limites, contradições e falhas -, resta ao eu narcísico realizar essa pulsão destrutiva, agressiva e violenta sobre os outros, sobre aqueles que podem apontar-lhe a contradição essencial de que padece porque são a própria contradição, e, deste modo, afrontam-no como se fossem um espelho a refletir, para além de toda a beleza aparente, a imperfeição denegada.
Veja o vídeo-resposta: O inconsciente político do PT
Um comentário:
sábias e realistas palavras!!!
excelente!!!!
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