segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Memórias do terror

 
 
CÓRREGO das ANTAS
 
 
Carlos Bonfim
Professor da FACEDI-UECE

 
14 de março de 1971. Miguel, ferido, encontrava-se só, num quarto secreto, amiúde: uma estante, mesinha, colchão ao piso, uma máquina de escrever portátil, paredes vazias, vários panfletos ao lado do sanitário. O ferimento sangrava vazio com transe, mas sem líquido. Então à luz de vela cortou a noite lendo velhos jornais. 
 
No outro dia. Bem cedo da manhã. Longe dali. No quartel do exército. Em reunião do S/2, o Capitão Correia, sujeito magro, amargo, de bigode vultoso, de fala cheia e curta, foi incisivo: “Eram cinco inimigos da pátria; desinfetamos quatro; resta um sobrevivente; está entocado por aí; a ordem é achá-lo... morto”. 
 
A noite desse dia abateu-se densa. A chuva desabou forte sobre os lisos paralelepípedos das sinuosas e apertadas ruas da cidade – amedrontada. No seu versar sobre o chão, águas levavam microsseres pelos esgotos até ao Córrego das Antas, aonde, no meio da noite, foram encontrados, pela população local, em suas águas escuras, quatro macrosseres, boiando... sem vida.
 
Desde então, sombrio pareceu transcorrer o tempo. Nisso caiu o Regime Militar. Desmoronou o Muro de Berlim. No entanto, Miguel sobreviveu. Não se tornou professor, jornalista, empresário e nem político. Só um feirante de verduras, chamadas por ele de “cheiro verde da terra”. Mas em todos esses anos, na mesma data, 14 de março, Miguel dirigia-se ao Córrego das Antas. Sobre suas águas, ainda mais escuras e turvas, jogava flores vermelhas – e murmurava uma prece íntima, dolorosa: “Aos meus queridos companheiros, à minha ardente utopia”.
 
 
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As memórias de muitos desses revolucionários - homens comuns que se rebelaram contra as formas mais sádicas e cruéis da autocracia militar - não podem desaparecer no rastro da história que se quer apagar. As novas gerações precisam conhecer a saga desses verdadeiros heróis, obtusamente ignorados por jovens que, infelizmente, celebram ensandecidos os ídolos do esporte, da música e da moda astutamente forjados pela mídia burguesa. A propósito, vejam a publicação da autobiografia de Gregório Bezerra pela Editora Boitempo e o comentário de Edson Teles sobre a Comissão Nacional da Verdade.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Dilemas

Veja a crônica de Epitácio Macário sobre as aporias de um materialista agnóstico ante as mais insuspeitas mistificações mercantis da vida contemprânea.

A pós-modernidade em debate

UM PENSADOR OBSCURANTISTA

José Eudes Baima Bezerra


Recentemente, em mesa-redonda promovida pelo PET de Geografia (UECE, Itaperi) na comemoração de seus 15 anos, anunciei sem desenvolver a seguinte idéia: o chamado pós-modernismo é a recepção, no campo das idéias, dos fenômenos de regressão social que observamos na virada dos sécula XX para o século XXI, isto é, uma aceitação teórica do retorno ao pré-modernismo (daí o apego das linhas de pensamento enquadradas no pós-modernismo a categorias como tribalismo, comunidade, localismo, subsidiariedade, etc.). Tratar-se-ia, assim, nesse insight não desenvolvido que tive durante o evento, de uma justificação teórico-ideológica dos processos de destruição das conquistas civilizatórias impostas ao sistema do capital pela luta da classe operária, um fenômeno, aliás, peculiar ao período moderno, isto é, ao período histórico caracterizado pela propriedade privada dos grandes meios de produção.

Para ler o artigo na íntegra clique aqui.

 
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[Resposta]

  
Claudiana Nogueira de Alencar

Gostaria de me livrar da dispneia que me toma agora, fruto de uma bronquite, que me impediu inclusive de participar de nossa assembleia, para responder ao artigo do prof. Eudes mais demoradamente. Não porque eu seja especialista no assunto, ou defensora das ideias de Maffesoli ou mesmo simpatizante dos teóricos ditos pós-modernos ou de suas (im)posturas intelectuais, estando mais propensa a crer , como alguns dos seus críticos, que tal movimento representa  a “cínica e tardia vingança da cultura burguesa contra seus antagonistas revolucionários”.  É porque, há tempos, tenho tido admiração pelas colocações escritas ou orais do prof. Eudes [José Eudes Baima Bezerra], sempre apropriadas e argutas, que achei muito ligeira a adesão da nota ao pensamento monossêmico que generaliza tendências neoconservadoras de natureza política, cultural e epistemológica na forma de um pensamento dito “pós-moderno”, ao mesmo tempo em que aposta ingenuamente nos ideais iluministas, icônicos da modernidade, como responsáveis pelas progressistas conquistas da classe trabalhadora, sem, ao menos, mostrar desconfiança no que tange ao mesmo projeto da modernidade, que como uma terrível paródia da utopia socialista, tem construído reconfigurações do sistema capitalista tradicional, em suas formas mais sutis de exploração humana. Não podemos pensar “o moderno” e/ou o pós-moderno assim, como um conceito (ou pseudoconceito) unidimensional.



Para ler o artigo na íntegra clique aqui.



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O que é pós-modernidade? Um diálogo com Agnes Heller e Ferenc Fehér

Francisco Antonio da Silva

Um dos temas principais que ronda a arena das Ciências Sociais e Humanas é a questão da pós-modernidade. Teóricos da Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Filosofia e História limitam seus esforços intelectuais a redefinirem o campo de atuação de suas respectivas áreas. Argumentam que as sociedades ocidentais não podem mais ser compreendidas a partir dos “velhos” referenciais teórico-metodológicos herdados do século XX. Argumentam também que a modernidade já não mais existe (daí insistirem na pós-modernidade enquanto discurso e ao mesmo tempo processo).

Para ler o artigo na íntegra clique aqui.


Fonte:

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Imperfeição denegada: o narcisismo petista e suas implicações




Paulo Massey
Sociólogo, professor do IFCE

Noutra ocasião, levantei a hipótese de que aquilo que podemos chamar de “inconsciente político” do PT, para usar uma locução consagrada por Fredric Jameson, se expressa por meio de três linhas de ação que têm caracterizado o modo petista de governar: o espetáculo, a conciliação e o ressentimento. 

O espetáculo se traduz pela propaganda oficial, pela paranóia das demonstrações quantitativas do crescimento e dos investimentos realizados pelo governo, sobretudo, como forma de responder às pressões e expectativas da mídia, instrumentada pela oposição e sempre à espreita, conspirando um levante golpista; a conciliação é, por sua vez, no mínimo, forçada, já que tem em vista reatar interesses francamente antagônicos, deslegitimar as reivindicações dos setores em greve e esconder a brutal disparidade salarial e a diferença quanto à valorização existente entre as carreiras do serviço público; o ressentimento, por fim, é a tentativa recorrente de atribuir ao Outro uma culpa que é sua, como forma de se defender do real que sobrevém quando são desfeitas as ilusões simbólicas; ou seja, o governo Dilma e seus representantes agem de modo a evitar o peso insuportável de se perceber uma unidade contraditória (e isso não foi exatamente um problema para Lula, que era menos um neurótico do que um perverso, viabilizando o exercício de uma “hegemonia às avessas”) enlaçada num processo conflituoso, no interior do qual as categorias profissionais recuperam progressivamente sua autonomia política, rompendo as amarras do pacto de silêncio selado entre o Partido, a Central Sindical e o Governo que ainda se crêem “dos trabalhadores” – uma fantasia que se contrapõe à força esvaziadora do real, à perda de sentido, à impossibilidade de manter a coerência entre desejo, norma e ação, portanto, entre o que se quer, o que se diz e o que se faz. 

Essas linhas de ação, contudo, traduzem de modo particular não apenas o inconsciente, aquela verdade que se esconde e que se tenta obsessivamente recalcar: o fato de que, para estupor dos puristas, o PT, desde as origens, pretendia chegar ao que é hoje, embora isso fosse intimamente velado ou sublimado num passado idealizado e só tenha se definido como desejo recôndito quando da conformação exata do Outro que lhe impõe expectativas e com o qual procura, de todas as formas, evitar a identificação – o PSDB. Essas linhas de ação, pois, revelam não apenas o inconsciente, mas também a consciência, as convicções de um “eu” que se quer sabedor de suas vontades, de seu poder e de seu lugar no mundo: um eu narcisista. Tome-se qualquer discurso, de qualquer representante do governo (seja ministro, secretário, parlamentar, reitor, assessor...) e se verá a defesa incondicional do “Império” que se está construindo. A conotação monárquica não é sem razão de ser. A democracia se tornou uma figura retórica, quando não um estorvo. O direito ao contraditório ou a simples contraposição é vista como uma inconveniência – pior, uma afronta, um desrespeito, tal como tive a oportunidade de assistir bestificado na última reunião com o Reitor do IFCE, como membro do Comando de Greve. 

O narcisismo petista é uma linha geral de orientação às ações dos representantes do governo e mesmo de seus aliados. Só quando os grevistas de hoje ensaiam grandes manifestações e relembram as cenas do passado que se quer esquecer, as reuniões são, enfim, concebidas – porém, conduzidas com o pressuposto da impertinência, o que só pode ser explicado pela presunção da verdade, pelo fato de que, sem limites à vaidade, o governo crer que tudo é como deve ser, agindo conforme uma vontade geral que, não raro, ganha a conotação de ordem natural das coisas. Daí a acusação freqüente de que os grevistas são contrários ao “projeto nacional do governo” e, em particular, de que os professores se opõem à “expansão da rede federal de ensino profissional e tecnológico”.

O que nos preocupa, no entanto, não é apenas o fato de que somos acusados, a pretexto, de aliança com os setores mais conservadores da mídia e da política, como se não tivéssemos autonomia para apresentar nossas reivindicações e exigir seu cumprimento ou, ainda, o fato de que isso demonstre sutilmente que o governo opera com uma máxima perigosamente excecionária: “quem não está comigo, está contra mim”. O que nos preocupa, mesmo como hipótese, é justamente a conseqüência inarredável que acomete o narcisismo: não podendo agir contra si mesmo - reconhecendo seus limites, contradições e falhas -, resta ao eu narcísico realizar essa pulsão destrutiva, agressiva e violenta sobre os outros, sobre aqueles que podem apontar-lhe a contradição essencial de que padece porque são a própria contradição, e, deste modo, afrontam-no como se fossem um espelho a refletir, para além de toda a beleza aparente, a imperfeição denegada.

Veja o vídeo-resposta: O  inconsciente político do PT                       

sábado, 1 de outubro de 2011

EM DEFESA DA DEMOCRACIA E DA EDUCAÇÃO PÚBLICA
(veja em pdf)

A violência perpetrada pela polícia contra professores e estudantes acampados na Assembléia Legislativa do Estado do Ceará (ALECE) na quinta-feira, 29 de Setembro, expressa o estado de sítio em que vivemos. O governador Cid Gomes e seus(!) deputados têm adotado, continuadamente, uma postura truculenta e antidemocrática no tratamento das críticas, principalmente quando se trata dos servidores públicos, do movimento sindical e social do nosso estado. 

Esta postura levou o governador a mandar(!) o poder legislativo aprovar tediosa lei que estabelece um raio de 40 quarteirões em volta do Palácio da Abolição como área de segurança que pode ser interditada sempre que o governo quiser, legalizando seu medo e desprezo para com as lutas do povo cearense. A conjugação da força bruta com artificiosas manobras legais e midiáticas para conter o conflito convive, harmoniosamente, com a corrupção e os esquemas de enriquecimento ilícito amplamente denunciados no caso dos banheiros e dos empréstimos consignados dos servidores, ambos envolvendo figuras centrais do governo.
A arrogância governamental e sua predileção pelo desrespeito às leis do País são as verdadeiras culpadas pela greve dos professores da rede estadual e pelos transtornos decorrentes. Mesmo tendo sido derrotado na ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) contra a lei que institui o Piso Nacional Docente, o governo insiste em não cumpri-la integralmente e propõe um ajuste que praticamente destrói a carreira dos mestres, com prejuízos inestimáveis à qualidade da educação pública.

Estes fatos põem em risco o futuro da educação pública no Ceará e a própria democracia. Pois se o governo quer impor uma estrutura de cargos e carreira sem dialogar com os professores, que são os sujeitos imediatamente implicados; se trata o amplo movimento de estudantes e professores como caso de polícia; se a imensa maioria dos deputados resolve atender, em regime de urgência, ao mando do governador, em detrimento do clamor de milhares de trabalhadores e estudantes... Estes são sinais claros de um regime de exceção que ameaça os direitos fundamentais de cidadania, democracia e liberdade.

Por isto, a diretoria da Sinduece repudia veementemente a conduta que o governo e a Assembléia Legislativa têm adotado para com a greve dos professores e coloca-se ao lado dos mestres e alunos que sustentam o movimento bravamente.

Ao mesmo tempo, convoca os professores da UECE a participarem do ato/passeata do movimento grevista que ocorrerá segunda-feira, dia 03 de Outubro, saindo da Assembléia Legislativa às 14 horas até o Palácio da Abolição. 

SOMOS TODOS PROFESSORES E ESTUDANTES! 
PELA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE QUALIDADE! 
EM DEFESA DA DEMOCRACIA!


Diretoria da Sinduece
“Por trabalho digno, autonomia e democracia na universidade”